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As minhas marcas, a partir de agora, eu escolho. Minha primeira tatuagem fará aniversário no próximo mês, junto comigo. Lembro que foram anos de uma argumentação exaustiva para convencer minha mãe a assinar a famigerada autorização [na época eu era menor de idade]. Meu melhor argumento, indubitavelmente, foi uma comparação entre as marcas de dentro e as de fora.

Carregamos cicatrizes pela vida afora que jamais escolhemos carregar, sejam elas feitas por alguém que descontou as frustrações em cima de você, de outro que partiu quando você mais precisava que ficasse, um namorado que te traiu, uma amizade dissolvida por bobagem, um sonho desfeito, um laço que se rompeu ou por alguém que a vida [ou a morte] levou muito depressa e faz falta todos os dias.

Então, quando se olha para dentro, lá estão os sulcos profundos, aparentes, visíveis com clareza, muitas vezes, até perceptíveis para quem está em volta. Está lá a dor vivida estampada, bordada em neon, embora já cicatrizada, e não foi dado nem o direito de escolher a cor, a forma ou a textura da marca. Não houve um álbum de opções das figuras a serem levadas por dentro para sempre, nem opção de profissional a encravá-las em nossas entranhas, apenas aconteceram, apenas te cortaram, te furaram, te riscaram. E, na maioria das vezes, nem teve pomada para te ajudar com a reconstrução.

Contudo, eu querendo ou não, elas estão ali, e não há roupa ou maquiagem que as escondam, e como dessa vida, ninguém sai ileso, São as minhas marcas, as minhas reentrâncias, minha falta de simetria.

Lembro que nessa conversa, arrastada por anos, lá vinha minha mãe dizer: – “Tu vai te arrepender depois!” E ela tinha razão, eu poderia mesmo me arrepender, porém se acontecesse, teria de aprender a conviver com essa tatuagem como aprendi a conviver com as outras marcas, aquelas que vocês não estão vendo [ou estão]. Porque, pelo menos, essa eu teria escolhido, seria feita com o meu consentimento e desejada em algum momento, não uma mera aceitação.

Sempre desprezei a ideia de aceitar as imposições da vida. Fui criança teimosa, adolescente rebelde e, finalmente, adulta independente – não se enganem, sigo me debatendo e me rebelando. Eu escolho minha rota, batendo o pé se for preciso. Torta, torta sim, porque os atalhos e as curvas são para quem consegue se perder para se encontrar. E para decorar minha viagem, levo as minhas marcas tatuadas, umas borradas, outras mal cicatrizadas e até aquelas já quase apagadas. Trago comigo as marcas de dentro e as de fora, convivo com as escondidas, mas -tal qual um estandarte- escolho as visíveis, porque independentemente do que se carrega, meus caros, a vida sempre segue.